Rap é um veículo da criatividade musical em constante evolução. Desde o tempo dos veteranos da velha escola, como SSP, Ikonoklasta, Kool Klever e Phathar Mack, aos novos fluxos escolares de Young Double, Kelson MostWanted, Boss Alírio, Euclarmany e Prodígio, definitivamente percorremos um longo caminho.
Quando o assunto é sobre o estado actual do rap, a pergunta que não quer calar é: Por que os rappers estão sempre a mencionar as mesmas coisas, glorificando riqueza material e o que (supostamente) fazem com as mulheres, álcool e drogas?
O rap de hoje difere muito em comparação com o que era “cuspido” nos seus “primeiros” dias. Numa entrevista,Kadaff (Kalibrados) disse: “Antigamente ouvíamos rap e íamos p’ro dicionário. Hoje em dia ouves rap e vais para loja da Gucci.”
Os rappers da actualidade têm deixado de fora as raízes do hip hop. Relembro que hip hop é uma cultura da qual o rap nasceu. E hip hop não criou apenas moda, política e arte, também criou um estilo de música dentro desse próprio estilo, e consequentemente as suas derivações, interpretações e abordagens. Havia rappers como Bantú (Gutto),Bambino, Makas do grupo Black Company, um grupo de rap português, criado na década de 1980, que ”davam consciência” social, através das suas músicas. Mas diferente do ponto de vista do rapper Kadaff, o blogger e activista Louis Joaquim, dizia que: “A ostentação é o fenómeno que mais vem crescendo dentro do nosso rap, tanto na Oldcomo na Newschool, levando muitos executantes a esquecerem os seus papéis cívicos dentro da sociedade.
Os rappers da actualidade preferem dar ênfase ao glamour – fama, as marcas de roupa que vestem, os carros que conduzem, o número de miúdas que “usam”, entre outros – afim de alargar a base de fãs. Esquecendo, deliberadamente ou não que, falar sobre drogas, roupas, carros e mulheres nas suas músicas, seja de acordo com as experiências de vida dos próprios artistas ou não, cria uma espécie de excitação ou fantasia para os ouvintes que, sem pensarem nas consequências, acabam por tentar imitar esse estilo de vida, que muitas vezes não passa de pura propaganda de rapper do “antigamente”.
Rap é muito mais do que “Sexo, Drogas, Damas e Massa” e o que nos salva dessa falta de identidade social são os CF Kappas ou Leonardos Freezy, que abordam conteúdos educacionais e factos reais que realçam verdadeiras dificuldades do nosso povo no dia-a-dia. Mesmo que, para alguns, o foco seja somente a “massa”, o rap é muito mais do que luxúria, beefs e boatos sobre quem vendeu mais. Falando em vendas, a qualidade do artista não se mede pela quantidade de discos vendidos. Prova disso são as mixtapes de Reptile Ficheiros Secretos 1 e 2, os álbuns do Mc KNutrição Espiritual e Trincheira de Ideias e o projecto Hemoglobina de Denexl e MadSuperStar, que, na rua, são considerados os melhores projectos de todos os tempos, que não venderam muito, mas são mais consumidos que discos que vendaram 20 mil cópias ou mais.
Apesar da notável evolução do que é produzido em solo nacional, muitos limitam-se a traduzir letras e imitar flows de rappers Norte-Americanos. Contudo, há iniciativas de louvar, como por exemplo a RRPL (Reis do Rompimento, Primeira Liga), que tem lançado vários nomes no mercado, e a Temporada da Nova Escola, que ajudou rapper a afirmarem o seu talento.
Convém também referir que, além das oportunidades aos mais novos, actualmente, um dos melhores momentos do rap nacional é a regresso dos Kalibrados, um dos grupos de maior expressão dentro do género.
Para concluir, fica uma boa frase de Abdiel: “P’ra sair do anonimato qualquer coisa serve, depois ficam cabeçudos, chapéu já não lhes serve.” Há que rever as raízes, as inspirações e as mensagens que estamos a passar e as suas consequências, mas como diz Edgar Major, fundador e administrador de um dos mais famosos blogs de rap angolano, “hip hop é hip hop. É a nossa festa, em estilo audio, seja qual for a mensagem, está na nossa disposição ouvir ou não”.